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💞 Pertença, Posse e Ciúme.


Pertença

Nas relações próximas é natural sentirmos que pertencemos a alguém.

“Eu pertenço a ti, tu pertences a mim.”

A frase é bonita simbolicamente, evoca aconchego, segurança, continuidade. Na sua essência, significa: eu cuido de ti e tu cuidas de mim.

Mas cuidar nem sempre é tão puro quanto parece. Quando algo “me pertence”, o cuidado pode transformar-se em domínio. Cuidamos à nossa maneira, conforme o que acreditamos ser “o certo”. Como quem cuida da sua casa, do seu jardim, do seu tempo. Cuidar, aqui, mistura amor com controlo.

Desde cedo aprendemos que o que é “meu” traz responsabilidade e posse. Se é meu, eu decido como se cuida. E essa sensação, aparentemente protetora, pode tornar-se o início de uma relação desigual.

Quando alguém “me pertence”, começo a agir como se tivesse poder sobre o modo como essa pessoa deve existir. Passo a cuidar “à minha forma”, e isso, com o tempo, pode tirar espaço à individualidade do outro. Sem perceber, o amor que queria proteger começa a limitar o amor, e a intimidade perde ar.


O ciúme surge quando a ligação se sente ameaçada. Não temos o outro ali, mas temos a ideia de que ele “deveria” estar. A pertença transforma-se em ausência, e a ausência em alarme.

O nosso sistema nervoso é feito para sobreviver em grupo. Pertencer é biológico: dá segurança, proteção, sentido¹. Quando sentimos que podemos perder uma relação importante, o corpo reage como se fosse perigo real. A mente tenta resolver.Aparecem pensamentos obsessivos, comparações, imagens de ameaça². Tudo com um único objetivo: restaurar a conexão.


O problema começa quando o foco deixa de estar na relação e passa a estar na vigilância. Tentamos garantir segurança controlando o outro: os seus horários, mensagens, gestos.Mas quanto mais controlamos, menos seguros nos sentimos³.

É o corpo em alerta constante. O sistema nervoso autónomo ativa-se para procurar sinais de perigo⁴. E, quando isso acontece, não é possível “desligar” o ciúme por vontade. Precisamos de tempo, de regulação e, sobretudo, de confiança.


O ciúme não é o problema, é um mensageiro. Revela o medo de perder o vínculo, o medo de não sermos escolhidos⁵. Quanto mais cedo reconhecemos essa emoção, mais rapidamente conseguimos transformá-la.

Nomear o ciúme retira-lhe o poder da confusão⁶. Dizer “senti ciúmes” é um ato de humanidade, não de fraqueza, e pode ser o início de um diálogo verdadeiro.

Pergunta a ti própria: O que está realmente em falta? De que presença sinto falta? O que estou a tentar proteger?

Quando compreendemos o que está em falta, deixamos de reagir e passamos a cuidar de forma consciente.


Sentir ciúme é humano. Mas o que fazemos com ele define a saúde da relação.Entre a posse e o amor existe um espaço, um espaço para confiança.




📚 Notas científicas (se fores como eu e gostares de ler de onde tudo isto vem)

¹ Bowlby, J. (1982). Attachment and loss: Vol. 1. Attachment. Basic Books.


² Takahashi, H., et al. (2006). Brain activation associated with evaluative processes of jealousy. Nature, 443(7107), 868–871.


³ Mikulincer, M., & Shaver, P. R. (2007). Attachment in adulthood: Structure, dynamics, and change. Guilford Press.


⁴ Porges, S. (2011). The polyvagal theory: Neurophysiological foundations of emotions, attachment, communication, and self-regulation. Norton.


⁵ White, G. L. (1981). A model of romantic jealousy. Motivation and Emotion, 5(4), 295–310.


⁶ Lieberman, M. D., et al. (2007). Putting feelings into words: Affect labeling disrupts amygdala activity in response to affective stimuli. Psychological Science, 18(5), 421–428.


Nota: A linguagem é adaptada para leitura pública e não substitui aconselhamento clínico individual. O conteúdo baseia-se em investigação científica e prática clínica relacional.


Um Abraço

Mafalda


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