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O conflito invisível entre Paixão e Amor

Casal a contemplar-se
O olhar do início

Quando um casal está nos primeiros meses de relação, há intensidade no olhar, urgência no toque, desejo quase compulsivo. Essa fase, muitas vezes chamada de “lua-de-mel”, parece prometer uma chama eterna.

Mas, com o tempo, muitos relatam que essa intensidade diminui. Surge uma sensação de “já não sinto o mesmo”, de “o fogo apagou”. E então, vem o medo: será que o amor acabou?

A resposta não é simples. A ciência contemporânea mostra que esse movimento, o da paixão intensa para algo mais calmo, pode ser uma transformação vital, não um fracasso. Entender por que a paixão arrefece, como isso afeta a ligação a dois e o que fazer com essa mudança pode salvar relações e tornar o amor mais profundo, sustentável e significativo.



Por que a paixão arrefece? O que dizem as pesquisas


As fases iniciais do amor envolvem alta atividade nas zonas de recompensa do cérebro (circuitos dopaminérgicos). O novo parceiro, o toque, o mistério, tudo estimula o cérebro a libertar dopamina, proporcionando excitação e desejo. Com o tempo, há habituação neuronal: a exposição contínua ao mesmo estímulo reduz a intensidade do efeito. Ou seja, o “novo” deixa de ser novo, e o cérebro encontra menos “surpresa” a cada repetição.

Esse mecanismo biológico é um processo natural do sistema nervoso para filtrar sinais constantes e focar no que muda.



A “adaptação hedónica” ou “hedonic adaptation” descreve como redes neurais ajustam-se a estímulos repetidos, o que antes nos encantava passa a ser visual de fundo. A familiaridade gera previsibilidade, o que pode reduzir o mistério e o suspense que geravam excitação.

Relações humanas são complexas. A pressão para manter sempre o “novo” é irreal. o romantismo exige renovação constante ou pode desvanecer.


Muitos modelos clássicos de amor (como Berscheid & Hatfield, Sternberg) postulam que o amor romântico intenso tende a decrescer e evoluir para formas mais calmas de afeto, intuição e compromisso (amor companheiro).

Um meta-estudo de 25 investigações encontrou que o amor romântico (sem obsessão) se associa à satisfação conjugal tanto em relacionamentos de curto como de longo prazo. Embora os níveis de excitação tendam a estabilizar em valores mais baixos ao longo do tempo.

Alguns casais mantêm níveis intensos de amor e desejo por décadas: estudos de Bianca Acevedo reportam que cerca de 13% de casais de longo prazo mantêm sentimentos intensos com “borboletas” persistentes.

Uma pesquisa recente (Bhargava, 2023) examinou como as pessoas relatam experiências de amor ao longo do tempo e constatou que elementos emocionais fluem de modo dinâmico, com altos e baixos.


💞 O vínculo que transforma Paixão e Amor: intimidade, compromisso e renovação

Intimidade ativa: o elo entre proximidade e desejo

Um estudo com casais fez um diário de 14 dias, avaliando como mudanças na intimidade se relacionavam com níveis de paixão. Resultado: quando a intimidade aumentava, a paixão também subia, para ambos os parceiros.

Isso confirma algo que já intuíamos: amor e paixão dançam juntos, não são polos distintos e rígidos. O que nutre um também pode reacender o outro. Ou seja: mais proximidade emocional pode ser a base do desejo.


Teoria da vinculação: como nossos modelos internos influenciam o desvanecer

A teoria da vinculação adulta sustenta que os padrões de relacionamento que trazemos da infância (seguro, ansioso, evitativo) moldam como vivemos intimidade, conflito e conexão.

Em situações de stress, quem tem apego inseguro tende a reagir com mais desconfiança ou afastamento, o que pode enfraquecer a capacidade de reinvestir no vínculo.

Novas abordagens teóricas, como a proposta de codificação preditiva do apego, tentam vincular processos neurais e modelos de apego, sugerindo que aprendemos a prever emoções internas e externas e a responder às mesmas de modo adaptativo (ou desadaptativo).


O modelo VSA e a adaptação relacional

O modelo Vulnerability-Stress-Adaptation (VSA) de Karney e Bradbury propõe que a qualidade conjugal é influenciada por: 

1. vulnerabilidades na vida (histórias pessoais, traumas, medos), 

2. eventos de stress (crises, mudanças de vida), 

3. processos adaptativos (forma como o casal lida com conflitos, comunicação, reparos).


Quando a paixão inicial desvanece, podem emergir vulnerabilidades (insegurança, ressentimentos, expectativas não verbalizadas). Se o casal não tiver estratégias adaptativas saudáveis (diálogo, renovação, curiosidade mútua), a transição pode tornar-se uma crise.


🌱 Transformar a calmia em renovação: práticas e intervenções

Antecipação do beijo
A antecipação do beijo

Aqui entram os pontos críticos onde teoria encontra prática.

Reconhecer a mudança como parte do processo

  • Evite julgar o arrefecimento como um “erro” da relação ou um sinal de falência. Trata-se de transição.

  • Nomear a mudança: comunicar ao parceiro “estou a sentir que algo mudou entre nós, não que acabou” abre espaço para intervenção compartilhada.


Introduzir novidade e desafio conjunto

  • Segundo o modelo de “self-expansion” (Aron & Aron), casais que se envolvem em atividades novas, estimulantes e incertas juntos reiniciam o sistema dopaminérgico e fortalecem a ligação.

  • Exemplos práticos: aprender algo novo juntos (dança, viagens, projetos), praticar esportes desconhecidos, mudar rotinas, surpresas intencionais.

  • O “intervalo planeado”, pequenas ausências, encontros inesperados. Pode funcionar como “interrupção emocional” que reativa a novidade latente (modelo de “interruption” de Berscheid).


Cultivar intimidade emocional e comunicação vulnerável

  • Diálogos regulares: compartilhar desejos, medos e necessidades sem acusar.

  • Exercício clínico: cada parceiro fala por 5 minutos sem interrupção, o outro ouve (reflete o que ouviu) e depois trocam.

  • Reparos emocionais: quando a comunicação falha, reconhecer, pedir desculpa e restabelecer conexão. A ciência de casais reforça que reparos bem-sucedidos são mais decisivos que conflito zero.


Reguladores cognitivos: reavaliações e atenção seletiva

  • Pesquisas da psicóloga Sandra Langeslag mostram que podemos escolher (via reavaliação cognitiva) focar nos aspectos positivos do parceiro/relacionamento, aumentando o sentimento de ligação e satisfação.

  • Em vez de ruminar o que mudou (“já não me sinto apaixonado”), exercita relembrar momentos de conexão, crescimento mútuo, propósito compartilhado.

  • Exercício prático: ao longo de uma semana, dedique 5 minutos por dia para anotar uma ou duas qualidades ou gestos pequenos do outro que despertam admiração ou intimidade.


Procurar suporte terapêutico quando necessário

  • Terapia de casais baseada em emoções (EFT), terapia focada em vinculação ou modelos integrativos podem intervir nas dinâmicas que bloquearam a renovação.

  • Um olhar externo ajuda a identificar padrões inconscientes (reação ansiosa, evasiva, silenciamento).

  • Em casos de feridas profundas (infidelidade, trauma, desapego emocional), supervisão profissional é vital.

Paixão e Amor 
Ambos seguram uma metade do que ambos vivem

🎯 Perspectiva clínica e implicações para intervenção

O papel da narrativa relacional do Paixão e Amor

Parte da transformação é reescrever a história que o casal conta a si mesmo. Em vez de “amor que morreu”, narrar “amor que evoluiu”. Esse gesto simbólico reorienta o sistema emocional coletivo.

Agora é manter curiosidade

Quando a intensidade diminui, muitos interpretam como desinteresse. A intervenção relacional sugere: curiosidade é antídoto. Fazer perguntas: “o que mudou?”, “O que te emociona agora?” e mantém o campo relacional vivo.

Microssinais de presença

Em contextos de vida com muito ruído e "pressa", o desejo pode ser vencido pela fadiga, pelo estresse, pelas rotinas. Agendar e concordar com microssinais (olhares, toque breve, agradecimento) reconecta o sistema afetivo de maneira sutil, mas significativa.

Prevenção: equipar para a transição

No início da relação, já se deve respeitar que a paixão será alterada. Preparar-se com consciência relacional (comunicação, pactos sobre ciclos, expectativas compartilhadas) reduz o choque quando o pico inicial diminuir.


✅ O arco-íris não dura para sempre, mas o amor pode admirar mudança

A paixão plena, com “borboletas” e urgência, tem seu papel evolutivo: aproximar, conquistar, ativar mecanismos de vínculo. Mas sua diminuição não indica fim da relação, indica passagem. É o momento de transformar o olhar para outra forma de intensidade: mais calmo, profundo, mas ainda vivo.

Quando aprendemos que o amor maduro transforma-se, abrimos espaço para presença consciente, renovação relacional e uma história compartilhada mais verdadeira.


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